Data de Publicação: 20 de outubro de 2023 17:30:00
A percepção de que não basta ao Brasil ser o maior produtor de alimentos do mundo sem implementar medidas para sua correta distribuição interna foi destacada na sessão de debates temáticos sobre políticas de combate à fome realizada pelo Senado nesta sexta-feira (20). A necessidade de gerar emprego e renda e de se reduzir as cerca de 55 milhões de toneladas de comida desperdiçadas para garantir a segurança alimentar foram pontos abordados na sessão, que contou com os ministros do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, Wellington Dias, e de Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira.
Autor do requerimento para a sessão, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, mencionou dados do Segundo Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia de Covid-19 no Brasil, segundo o qual, em 2022, mais de 33 milhões de pessoas não tinham o que comer. Além disso, os dados mostraram que quase 60%, o que representa a maioria da população brasileira, convivem com a insegurança alimentar em algum grau, de leve a grave, o que é absolutamente inaceitável, disse o político.
— Elaborei o requerimento para esta sessão de debates ciente de que o Poder Legislativo tem muito a contribuir para a luta contra a fome no país. Diversos fatores convergem para a escalada do problema. Entre eles, com destaque, está a pandemia, que lançou o Brasil, assim como diversos países, em um ambiente de grave crise sanitária e recessão econômica. O que estava ruim ficou ainda pior. Podemos citar, ainda, vários outros fatores, como as mudanças climáticas, a escalada do preço dos alimentos e o descaso com as políticas de segurança alimentar no governo anterior. As desigualdades regionais e de renda, de raça e de gênero, também são fatores decisivos neste cenário — disse Pacheco.
Na opinião da senadora Jussara Lima (PSD-PI), o drama da fome tem solução e é menos complexo do que a sociedade imagina. Ela ponderou que, em um passado recente, o Brasil saiu do Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas (ONU) graças a políticas públicas assertivas e à gestão adequada dos recursos disponíveis. O país havia saído desse Mapa da Fome em 2014, por meio de estratégias aplicadas desde meados da década de 1990. Mas voltou a figurar no cenário a partir de 2015, obtendo um especial agravamento ao longo da pandemia de covid-19, a partir de 2020.
Segundo Jussara, para alimentar os cerca de 33 milhões de brasileiros em situação de extrema pobreza são necessários 7 milhões de toneladas de alimento por ano. Ao destacar que o número parece alto, a senadora salientou que o Brasil desperdiça oito vezes mais do que esse total anualmente e ponderou que essas perdas são evitáveis e devem ser combatidas:
— Todos os anos são desperdiçados 55 milhões de toneladas de comida em nosso país. Essa situação não pode persistir e a solução está em nossas mãos. Vamos todos nos unir, governo federal, Parlamento, entes federados e sociedade para saciar a fome e dar dignidade aos brasileiros. O combate à fome passa por programas de renda mínima familiar e medidas para reduzir as desigualdades regionais e também depende de questões como estabilidade econômica do país, melhora na educação, geração de emprego, acesso à água e saneamento básico e proteção ambiental. Temos a obrigação de colaborar para que as políticas públicas atuem em sintonia, porque, relembrando as palavras do saudoso Herbert de Souza, o Betinho, um dos pioneiros da mobilização brasileira contra a fome: "quem tem fome tem pressa". A fome é a pior das indignidades do ser humano — declarou.
Na opinião da secretária de Inovação, Desenvolvimento Sustentável, Irrigação e Cooperativismo do Ministério da Agricultura e Pecuária, Renata Miranda, falar de segurança alimentar é também falar de paz social. Ela disse que o Brasil vive uma guerra contra a escassez de alimentos e pelo fim das desigualdades e ponderou que essa questão social é “uma violência diária e latente”. Ao pontuar que essa temática precisa ser uma prioridade de governo, Renata Miranda disse que não basta ao Brasil ser o maior produtor de alimentos do mundo sem adotar mecanismos para uma satisfatória distribuição desses itens à população.
Representando ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, Renata Miranda ponderou que o Brasil deve atuar para o aumento da produtividade com a percepção de que a nação é “um lugar rico, de biodiversidade única no mundo, clima tropical” e implementando mecanismos de cada vez menor impacto ambiental. Ao defender a geração de um sistema produtivo também cada vez mais resistente às mudanças do clima, a gestora argumentou que o Brasil tem o maior plano histórico e global de baixo carbono, “que é um exemplo mundial por aumentar a produtividade, a resiliência dos sistemas e mitigar a emissão de gases de efeito estufa”.
— A gente sabe que para uma questão tão complexa e histórica não existe uma solução simplista. E isso é extremamente importante que a gente entenda, num ambiente democrático como esta Casa representa, porque não há uma “bala de prata”. Nós temos que entender que é a convergência de ações públicas, do setor público, mas também do setor privado, é a convergência de todas as Casas que vai fazer com que a gente encontre uma resultante que nos leve a sanar esse problema que envergonha a todos — disse Renata Miranda.
O ministro Wellington Dias afirmou que a missão de erradicar a fome é uma responsabilidade ética. Para ele, é inaceitável haver pessoas com a mão estendida pedindo um prato de comida em um país que é uma das dez maiores economias do mundo e está entre o terceiro e quarto maior produtor de alimentos. O ministro mencionou o sucesso de programas sociais como o Bolsa Família, mas considerou ainda um grande desafio o Brasil sair do Mapa da Fome da ONU.
— Por isso, temos chamado a atenção de cada setor da nossa economia. Todo esse trabalho de transferência de renda, de complementação alimentar, é uma proteção social, mas o que o brasileiro quer é empreendedorismo, portas de emprego, fazer a economia crescer. A fome é mesmo um problema de ética e eu acho que o Brasil é um país solidário. Juntos, novamente, vamos sair do Mapa da Fome e tornar essa nação ainda mais igual — disse o ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, responsável pela execução do programa Bolsa Família.
O ministro Paulo Teixeira afirmou que há dois tipos insegurança alimentar: a insegurança alimentar grave, das pessoas que não têm nada para comer; e, de outro lado, as pessoas que comem mal e, por isso, têm uma insuficiência de calorias e, igualmente, sofrem de doenças associadas à má alimentação. Para o ministro do Desenvolvimento Agrário, um dos maiores desafios das autoridades é aumentar a produção de alimentos para combater a inflação em cima desses itens, ampliar a diversidade de alimentos para dar conta da cultura alimentar da população e baratear essa produção de alimentos, favorecendo o acesso a eles.
Paulo Teixeira reforçou que o Bolsa Família é um programa bem-sucedido, não só de transferência de renda, mas também de articulação de políticas públicas para a superação da pobreza e da miséria, que inclui também a atenção à saúde. Ele lembrou que o presidente dqa República, Luiz Inácio Lula da Silva, determinou que pessoas inscritas no Bolsa Família não pagarão a prestação das suas casas junto ao Programa Minha Casa, Minha Vida.
— Essas pessoas têm direito a participar dos programas de reforma agrária, de formação profissional. É um apanhado de políticas para a superação da pobreza e da miséria, e o Brasil conseguiu, a partir desse programa, em 2014, articulando com os demais programas, tirar o país do Mapa da Fome, conseguiu tirar 40 milhões de brasileiras e brasileiros da miséria e da fome. Por isso, comemoramos, de um lado, com certo sentimento de que os últimos seis anos não foram bons, porque muitas dessas políticas foram desarticuladas, e o Brasil voltou para o Mapa da Fome, do qual agora temos o desafio, esta geração e das lideranças políticas, tirar o país novamente dessa quadra.
Diretora do Departamento de Inclusão Produtiva e Inovações da Secretaria Nacional de Pesca Artesanal do Ministério da Pesca e Aquicultura, Natália Tavares de Azevedo chamou atenção para a estiagem registrada atualmente na região Norte do Brasil. Ela afirmou que o governo tem acompanhado a situação, especialmente em atenção ao contingente de homens e mulheres que estão em situação de insegurança alimentar devido às mudanças climáticas.
Representando o ministro da Pesca, André de Paula, Natália de Azevedo pontuou que o setor pesqueiro e aquícola é responsável pela produção de pescado de alta qualidade, mas tem padecido com a falta de políticas públicas sistemáticas ao longo dos anos. Segundo a gestora, o país produz mais de 1,5 milhão de toneladas de pescado em seus mais de 8,5 mil quilômetros de costa e nas bacias de água doce, que são as maiores do mundo. O compromisso do governo, disse ela, é potencializar a produção desse pescado, melhorar as cadeias produtivas da pesca e aquicultura e garantir ao povo brasileiro o acesso a esse pescado.
— A gente tem um duplo desafio: de um lado, temos um milhão de homens e mulheres das águas, que produzem proteína de alta qualidade, mas, muitas vezes, se encontram em situação de vulnerabilidade e insegurança alimentar; por outro lado, o desafio de reestruturar o setor pesqueiro e aquícola, potencializando essa produção. Em face desse desafio, temos buscado desenvolver um conjunto de articulações institucionais com os nossos ministérios parceiros, a exemplo do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar e o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social. Queremos pescado artesanal, pescado industrial, pescado da aquicultura na mesa do brasileiro a um preço baixo, em quantidade e que garanta, lá na ponta, para pescadores e pescadoras, renda e dignidade nas suas condições de trabalho — disse Natália de Azevedo.
O prefeito de Nova Lima (MG), João Marcelo Dieguez Pereira, do Cidadania, falou de uma estratégia bem-sucedida para enfrentar a pobreza e combater a fome, que passa pelos seguintes eixos: a diversificação econômica, potencializando as várias vocações locais capazes de gerar emprego; e uma "revolução" na educação básica, com métodos pedagógicos, tecnológicos e alimentares. João Marcelo disse que o mercado hortifruti municipal é comprado da agricultura familiar dos nova-limenses. No município, continuou, as famílias recebem cesta básica no período das férias escolares para garantir a qualidade da alimentação dos estudantes. O terceiro eixo, segundo o prefeito, tem base na qualificação profissional, técnica e gratuita, com programas de qualificação em idiomas (inglês, espanhol e mandarim) para quem mais precisa, em parceria com instituições privadas da cidade. O quarto eixo da estratégia, segundo o prefeito, é um programa de enfrentamento à pobreza voltado às pessoas em situação de vulnerabilidade.
— Daí nasceu o Nova Renda, que é o maior programa municipal de transferência direta de renda da história do nosso município [...]. Através desse programa, 5.880 famílias serão contempladas, o que significa todas as famílias em situação de extrema pobreza e de pobreza, do nosso município, contempladas. É um benefício que vai do valor mínimo de 10% a 50% do salário mínimo, com condicionantes claros, como o tempo mínimo de residência no município de 5 anos, a participação nos nossos serviços, programas da assistência social, de educação, de saúde, e como, por exemplo, cartão vacinal em dia, filhos matriculados na escola, pré-natal no SUS — declarou.
João Marcelo Pereira lembrou que os municípios já têm a obrigatoriedade constitucional de destinar 25% das suas receitas para a educação e, 15%, para a saúde. Ele sugeriu destinar 1% desses recursos para o combate à pobreza por meio da apresentação de uma proposta de emenda à Constituição (PEC).
A sessão temática contou com a presença do ex-senador Eduardo Suplicy (PT-SP), hoje vereador em São Paulo. Ele foi autor da Lei da Renda Básica da Cidadania, voltada ao combate à pobreza e que foi a maior bandeira de sua vida pública. Sancionada em janeiro de 2004 pelo presidente Lula, a Lei 10.835, de 2004 estabelece que todo cidadão residente no país tem direito a receber um pequeno valor mensal, não importando sua condição econômica. Apesar de a norma depender de posterior implementação, sempre a critério do Poder Executivo, foi uma das bases para a implantação do programa Bolsa Família, criado no fim de 2003.
Em 2022, a Agência Senado elaborou reportagem especial sobre o retorno do Brasil ao Mapa da Fome da ONU.
Fonte: Agência Senado
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